Entrevista: o nascer e o renascer de Gustavo Galo

 

 


Cantor lança pelo Selo disco de show na Fauhaus, com canções que fazem parte de seu terceiro trabalho 


 

Em seu terceiro disco, em 2019, se tudo ruir deixa entrar o ruído (independente),  Gustavo Galo buscava encerrar um ciclo que havia iniciado em seu primeiro trabalho solo, o elogiado “Asa”, de 2014.

Idealizado conceitualmente para ser uma trilogia, em conjunto com “Sol”, de 2016, o ciclo se fechou ainda em um período pós-pandemia, após o lançamento do disco e em memorável show na casa Fauhaus, também responsável pela coprodução da apresentação.

Galo foi o protagonista do episódio de estreia da webserie Fauhaus Sessions, em 2019.  A casa paulistana é um estúdio, brechó e casa de show localizada na Lapa, em São Paulo, que vem se consolidando desde 2018 em um espaço importante e único para música independente na cidade.

Fundada por Aniko Santoro e Eduardo Magliano, em dezembro de 2018, a Fauhaus já realizou mais de 200 espetáculos, de Ava Rocha a Dado Villa Lobos, passando por Juliano Gauche, Mariana Aydar, Kiko Dinucci, Laura Lavieri, Jonnata Doll, Carol Naine e muitos outros. Um dos artistas que mais fez apresentações na casa, Gustavo Galo foi o escolhido para estrear a Fauhaus Sessions.

No show, contando com uma super banda em trajes especiais para acompanha-lo,  formada por seu parceiro na Trupe Chá de Boldo Gongon (bateria), Lucas Gonçalves na guitarra (Maglore, hoje em processo de segundo trabalho solo, “Verona”,  também pelo Pequeno Imprevisto), Otavio Carvalho (Vitrola Sintética, produtor do disco ao vivo e idealizador do Selo); Tomás Oliveira (teclado); Oscar Ferreira (Bixiga 70, sax barítono) e a excelente participação especial nos vocais de seu amigo, o cantor, e intérprete Rubi, Galo nos apresenta em show as letras imagens oníricas de um mundo em colapso, conflitos e mesmo de pequenas tragédias, em vários sentidos, mas intercaladas e em busca de beleza e novos sentidos líricos, ainda que estejamos – cada vez mais — neste cenário coletivo  do ruir.

Convivendo em um novo e mais difícil ambiente para os artistas independentes, durante a pandemia, conversamos com Gustavo sobre o lançamento do show em disco, “Gustavo Galo ao vivo na Fauhaus”, que irá sair neste mês pelo Pequeno Imprevisto.

 

 Pequeno Imprevisto  –  2 anos após seu lançamento, as canções de “Se tudo ruir…” em certo sentido talvez hoje talvez pareçam ainda um pouco mais representativas para este novo momento de pandemia em que vivemos. De infelizmente vermos um mundo em ruínas, e vermos algo se encerrar, mas de certa maneira tentar encontrar beleza e novos sentidos poéticos a partir desse quadro. Com toda a dificuldade do país na pandemia, nesta nova situação, mudou um pouco a forma como você se sentia ou via estas músicas do disco, e fazem parte do show?

Gustavo Galo  Eu acredito que já naquele ano a gente estava neste processo de ruir, tanto do pais, do que já estávamos vivendo politicamente, de uma situação de violência fascista – mas como todo um processo de colapso geral do mundo mesmo. Em 2019 já estávamos vivendo isso há algum tempo. Estava muito difícil. E esse disco também deveria ser o fim de uma trilogia com meus outros trabalhos. Eu tinha pensado em fazer três discos com os nomes compostos apenas por três letras, o “Asa”, de 2014, e o “Sol” (2016).  Inicialmente este também deveria ter três letras para fechar, mas decidi mudar quando já estava gravando o disco…  eu queria falar sobre os finais, e de todo esse ruir também como um fim de ciclo, porque era o fim de um ciclo para mim. Então, embora estejamos hoje nessa situação de pandemia e o modo como a gente vive tenha mudado, acho que já tinha todo esse estado e como me sentia em relação as músicas e o recomeço que buscava.

Você chegou no tempo do lançamento a comentar em texto, nas redes sociais, que o disco era o fim de uma trilogia e ser um fim de ciclo para você, e da importância do poema do ArrudA, “todo fim é generoso” [que foi gravado inicialmente como parte da canção “Até de Manhã”, no disco do poeta com seu amigo, o cantautor Peri Pane, em “Canções Velhas Para Embrulhar Peixes. Vol.3”]. Você chegou a pensar ou planejar que o fim da trilogia seria seu último disco que faria?

Eu gosto muito da idéia de “fim”. Gosto muito do Haroldo de Campos. Ele tem aquele texto, “ se/ nasce/ morre nasce/ morre nasce morre/renasce remorre renasce/…” [ Poema “SE”] então, ao terminar o disco e a trilogia, eu via tudo como um final de um ciclo também para mim, para me dedicar a fazer outras coisas. Não via como um fim absoluto, não pensava em parar de todo, mas eu estava e estou hoje também com outros projetos que há algum tempo eu pretendia fazer, e pensava nisso quando gravei o disco. Então importava ver tudo como o recomeço. Daí não muito tempo depois teve a apresentação de aniversário na Fauhaus, que é uma casa muito legal e adoro, e já tinha me apresentado algumas vezes por lá. A Aniko [fundadora da Fauhaus] já trabalha com pesquisa em Audiovisual, e junto com o Eduardo Magliano propôs gravarmos e fazer também uma produção especial para a apresentação. O Otávio mixou e masterizou o disco que a gente pode lançar agora.

 A Fauhaus é um espaço muito legal porque falta um pouco em São Paulo, para uma apresentação mais elaborada aos artistas, né. E um pouco depois veio a Pandemia, e o disco “Quarto”, e que se difere da trilogia, por ser você e apenas no violão gravado em sua casa. Como foi este processo em certa medida novo para você?

Sim. Após essa trilogia eu estava pensando em dar uma parada por um tempo, e tentar desenvolver esses trabalhos, mas o Otávio, como sempre, me incentivou a tentar fazer algo nesse formato, algo novo para mim. No período da pandemia, nos isolamos. E ficamos por aqui nesse apartamento, na avenida Doutor Arnaldo, em São Paulo. Mas também um período ficamos na Serra da Mantiqueira, isolados, na maior parte do tempo. A Júlia [Júlia Rocha, poeta e editora, companheira de Gustavo] me ajudou também não só com o poema dela, “quarto crescente”, mas na escolha do repertório. E o Ota me propôs então gravar nesse formato, levando um dia os microfones para o apartamento, e, claro tomando os devidos cuidados de distanciamento, sempre de máscara. Gravamos as cinco músicas do “Quarto” em um dia, de uma única vez, e as gravações ficaram como foram tocadas naquele dia.

Em todos seus trabalhos, seja como compositor participante da Trupe Chá de Boldo, como em todos os seus discos solo, uma marca que parece muito forte é de que suas músicas e canções são sempre o resultado de suas parcerias e amizades, mais que um algo preconcebido. Inclusive, em um texto que você escreveu para a Revista Trip, você diz que via as músicas e as letras que faziam como um resultado dessas relações. Nesta situação, ainda que a presença destas relações ainda estejam no repertório, como a pandemia, afetando a rotina de todos e o distanciamento mudaram isso? Como foi para vocês esse distanciamento

Eu gosto muito do poeta Torquato Neto, e acho que nossa relação, Júlia e a minha, com o isolamento lembra um pouco o que ele colocou em seus textos para a “Geléia Geral”, coluna que ele mantinha no jornal no início dos anos 1970. Torquato escreveu diversas vezes: o lado de fora está dentro. O fora está presente o tempo todo. Com a pandemia e a necessidade de ficar trancado, a Júlia e eu descobrimos outras formas de se relacionar, de passar este tempo isolados. E mesmo na pandemia há sempre essa visão de dentro e fora, do barulho do trânsito e dos carros ou o som das árvores. Moramos aqui próximo à Dr.Arnaldo, em frente ao cemitério [Araçá]. E o distanciamento ampliou algo que já existia também, da gente se relacionar com parcerias a distância. O Peri [que também é um dos compositores de duas canções de “quarto”], por exemplo, está em Minas Gerais há algum tempo. Com outras parcerias e os amigos já havia essa coisa de se relacionar e fazer as coisas por Whatsapp ou por email. Então o distanciamento é o reflexo do que está acontecendo lá fora. E a gravação apenas com voz e violão foi importante também porque é distante de todos os meus outros trabalho. Do começo com a Trupe chá de boldo, uma banda de treze pessoas, até finalmente um disco sozinho,  voz e violão, foi uma estrada e tanto. Com a Trupe Chá de boldo sempre foi uma relação não hierárquica, em que todos se juntam para fazer música, e também todos compõem. Quando comecei a fazer o “Asa” em um certo sentido foi uma liberdade distinta, uma liberdade e uma libertação deste processo de composição, para fazer outras coisas que gostaria. Nunca tive vontade de sair da Trupe. Eu queria essas duas situações, “solo” e com uma banda imensa, explorar diferentes possibilidades. E agora com apenas violão foi legal porque eu não tive uma grande formação musical, de aprender, nunca toquei tão bem. E quando eu realmente comecei a trabalhar com música profissionalmente, eu já comecei a me interessar e estava mais ligado pela letra, pela poesia. Então esse trabalho foi muito legal, por de início não imaginar que poderia fazer, mas o Ota conseguiu  me convencer que poderia ser feito. E a partir disso, escolhemos o repertório e fizemos.

E agora você está trabalhando, junto com a poetisa e sua companheira, Júlia Rocha em diferentes projetos, na editora/selo, em parceria também com outras editoras, inclusive em um projeto que aborda sobre Artes Gráficas Plásticas, seus diálogos com a poesia e literatura, [o site Mata Viva]. Fala um pouco sobre eles.

A Editora “É Selo de Língua”, criada pela Júlia, existe há uns 5, 6 anos. Recentemente lançamos alguns projetos. Durante um ano a Editora teve uma publicação mensal chamada “Cheia” em parceria com o selo TremeTerra . Neste período lançamos ainda o livro de haicais, Matutu do, da Silvia Rocha [mãe de Júlia], além do Calendário “Acasos Solares”. Nossa edição mais recente, Mataviva, é uma parceria com O Grafatório, [ O Grafatório é uma associação cultural e editora dedicada às artes visuais, com ênfase nas artes gráficas] é um “sítio” onde publicamos conversas com poetas e artistas visuais que buscam outras formas de viver e estar com a natureza, como buscar maneiras diferentes da que vivemos hoje. Boa parte da edição e de colocar o sítio no ar foi feito por eles. [O Grafatório também coeditou, junto com o selo É, o livro “Luas”, série de haicais compostos por Gustavo e Júlia Rocha, impressos em tipos móveis].

Sobre seu trabalho lírico nestes discos, quando se trabalha com canções, e, principalmente com a música popular, de modo geral, talvez o mais comum é chegar a um ponto no processo de composição em que as letras das músicas ficam um tanto subordinadas pela estrutura da música e da melodia já até um certo feitas. E o seu trabalho já há um bom tempo parece ser muito pautado pela poesia dando a tônica e o sentido para as canções, [evidenciada por exemplo para versão do poema de arrudA em “todo fim é generoso”, ou a leitura de “até de manhã”, do Peri Pane] – A palavra musicada, interface da poesia com a canção. Quais artistas você diria que levaram você mais para a poética dando a tônica das canções?

É legal você comentar isso, porque dentre os projetos que estou preparando é um curso que vou ministrar neste semestre sobre as relações da poesia com a canção. Quando eu era adolescente, quando eu realmente comecei a gostar de música, eu não gostava de poesia, das aulas de literatura e poesia na escola. Mas quando começaram a aparecer os primeiros trabalhos, eu já estava mais ligado às letras e poesias. Foi na época em que o Itamar Assumpção lançou “pretobrás”. Ali a poesia me arrebatou imediatamente. Itamar me apresentou Paulo Leminski, Alice Ruiz. O encarte dos CDs e LPs me apresentaram a poesia. Não foi a escola. Então, eu já comecei a trabalhar com música ligado em poesia e que era algo daquilo que eu queria fazer, olhando mais para esse lado das letras. Eu não diria que seria uma relação hierárquica, de tônica da poesia, eu acho que é uma relação que deve ser, horizontal, complementar. Quanto aos artistas que me levaram  ao caminho das letras e da poesia, eu citaria, o Itamar Assumpção, aquelas letras, a atitude experimental. A Alzira E, que em parcerias com a Alice Ruiz,  fez um disco de canções a partir de poemas [Paralelas]. O Jards Macalé, com Waly Salomão, ou no disco Let´s Play That [título da música para o poema de Torquato Neto, em que Jards gravou em companhia de Naná Vasconcelos]… E hoje também citaria  a Adriana Calcanhoto. Nestes últimos anos, a Adriana vem ministrando um curso na Universidade de Coimbra, Portugal,  sobre música popular, a história da música popular e sua relação com a poesia [ Adriana produziu recitais abordando desde canções dos tempos das trovas até o curso de “Como escrever canções”, na tradicional e das mais antigas faculdades de Coimbra, a de Letras, com 726 anos], então todo esse trabalho agora dela, como em suas composições hoje, são uma inspiração para mim.

Pra finalizar, e para retomarmos o lançamento do disco ao vivo na Fauhaus, gostaria de saber como você conheceu o Rubi, de voz única, intérprete com quem  você divide os vocais em uma interpretação ao vivo espetacular, de “homens”, presente no terceiro disco.

O Rubi conheço há muitos anos, ele é maravilhoso, um presente, uma jóia. Eu o conheci quando tinha 19 anos , em meu primeiro trabalho com música, em apresentações com o Gero Camilo e Bando, e a Trupe Chá de Boldo. Ele também participava e fiquei amigo dele. E durante todo esse tempo, eu sempre tentava e queria dar um jeito de fazer algo com ele, e então o convidei para cantar essa música, um poema que musiquei do Ricardo Aleixo. E a interpretação dele interpretação ficou maravilhosa.

 

 

Alfredo Araújo

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